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Instituto de Terras do Piauí - INTERPI
SINOPSE SOBRE TERRAS DEVOLUTAS
09/05/2006 - 00:11:54  
  
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Planejamento INTERPI/2006

POR MARLON FREITAS

O Estado do Piauí é considerado hoje a última fronteira agrícola do Brasil. Em conseqüência é, sem dúvidas, um dos estados brasileiros com o maior índice de terras  públicas “griladas´´ por particulares que, aproveitando-se da inércia e as vezes da própria conivência dos governantes, conseguiram irregularmente matricular e registrar junto aos cartórios de registros públicos enormes áreas de terras,  sem que possuíssem um título legal apto a originar uma cadeia dominial para o imóvel. Efetuado o primeiro registro de forma ilegal é óbvio que o seu desmembramento em outros imóveis menores carregam consigo o crivo da ilegalidade cometida na fonte originária da cadeia dominial.  

Para melhor compreendermos o procedimento da ´´grilagem de terras públicas´´ faz-se necessário uma rápida averiguação na forma histórica que ensejou a existência da ropriedade privada no Brasil, uma vez que todas as terras eram em princípio públicas e o foco da questão é
exatamente a mudança do domínio público (devoluto) para o privado observando a legislação aplicada à época, sucessivamente até os dias atuais.

O Brasil, historicamente, teve o seu território dividido entre os portugueses e espanhóis  através do ´´Tratado de Tordesilhas´´, sendo que os portugueses utilizando-se das Missões Religiosas e das Bandeiras conseguiram adentrar mais profundamente nas matas brasileiras, fixando colonizadores e fundando povoados.

A necessidade de ocupar o território brasileiro obrigou aos portugueses a lançarem mãos do instituto das sesmarias, já conhecido no Direito português desde o século VIII, quando das sesmarias medievais.  

O instituto da sesmaria foi incorporado às “Ordenações do Reino´´, especialmente nas ``Filipinas´´, que tiveram grande importância no Brasil Colônia. Sabe-se que os donatários das Capitanias Hereditárias tinham direito e a obrigação de conceder sesmarias aos portugueses que viessem colonizar as terras brasileiras.

Posteriormente o Governador geral passou a ter esse poder delegado pelo Rei de Portugal, e mais tarde os Governadores das Províncias também tiveram o poder de conceder sesmarias.

No entanto as sesmarias eram concedidas mediante três condições: demarcação, exploração e confirmação. O beneficiário da sesmaria que não cumprisse as condições dentro do prazo previsto no título recebido caía em comisso e a terra era devolvida à Coroa.

Assim, no Brasil, essa foi à origem da propriedade privada, e o Estado do Rio Grande do Sul, praticamente começou a ser ocupado em 1625, por José Pinto Bandeira, que recebeu do Rei de Portugal a primeira sesmaria na região que se tornaria a província de São Pedro e, mais tarde, o Estado do Rio Grande do Sul.

Após o Rio Grande do Sul foram outorgadas outras sesmarias em todas as demais regiões da Colônia que eram ocupadas.

Não obstante o instituto da sesmaria foi extinto no Brasil por força da ``Resolução de Consulta da Mesa do Desembargo do Paço, de 17 de julho de 1822, e não foi substituído por outro.

O Brasil tornou-se independente, foi promulgada a Constituição de 1824, mas o problema da utilização das terras públicas não foi tratado  nesta Constituição, permanecendo sem disciplina o uso das terras públicas.

Por fim a Lei no. 601, de 18 de setembro de 1850, regulamentada pelo Decreto no. 1.318, de 30 de janeiro de 1854, regulamentou o uso das terras públicas.

A Lei no. 601 (Lei de Terras) convalidou as sesmarias já existentes em seu art. 4o e em seu art 3o definiu   juridicamente o que é terra devoluta, ´´in verbis``:

´´Art.4o. - Serão revalidadas as sesmarias, ou outras concessões do Governo Geral ou Provincial, que se acharem cultivadas, ou com princípio de cultura e morada habitual do respectivo sesmeiro ou concessionário, de que os represente, embora não tenha sido cumprida qualquer das outras condições com que foram concedidas.``

Art. 3o. - São devolutas:

§ 1o. - As que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial ou municipal;

§ 2o. - As que não se acharem no domínio particular por qualquer título legitimo nem foram havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta de cumprimento das condições de medição, cultura e confirmação;

§ 3o. - As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do governo, que, apesar de incursas em comisso, forem revalidadas:

§ 4o.- As que não se acharem ocupadas por posse, que, apesar de não se fundarem em título, forem legitimadas por esta lei.``

Não obstante o legislador há época já tomava algumas medidas proibitivas para evitar a formação de latifúndios provenientes de ocupação de terras públicas, especificamente no art. 5o. da Lei 601, de 18 de setembro de 1850, que assim dispôs:

Art. 5o. - Serão legitimados as posses mansas e pacificas, adquiridas por ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com princípios de cultura e morada habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes:

§ 1o.- cada posse em terras de cultura, ou em campos de criação, compreenderá, além do terreno aproveitado ou do necessário para a pastagem dos animais que tiver o posseiro, outro tanto mais de terreno devoluto que houver contíguo, contanto que em nenhum caso a extensão da posse exceda a de uma sesmaria para cultura e criação igual às últimas concedidas na mesma comarca ou vizinhança.

É importante frisar que o que o limite máximo de uma sesmaria de acordo com a de  Constituição de 1891, e por força do Decreto no.10.105, era de 14.400,00,00 hectares. Assim, pelo estudo acima ofertado já podemos chegar ao entendimento de que qualquer título de propriedade advindo do instituto das sesmarias se limitou a quantidade máxima de 14.000,00,00 hectares, não
existindo no ordenamento jurídico pátrio desde os tempos mais remotos a possibilidade legal de demarcação de área superior ao valor citado.

Convém enfatizar que o art. 64 da Constituição de 1891 transformou as antigas Províncias em Estados e estes com personalidade jurídica e patrimônio próprio; assim os Estados adquiriram as terras devolutas situadas em seus territórios,exceto as terras devolutas situadas na faixa de fronteira.  As terras que não estavam dentro das sesmarias são tidas como terras devolutas
pertencentes aos Estados impassíveis da aplicação do instituo da usucapião desde a vigência do Código Civil.

Por seu turno a sesmarias que era dada a uma pessoa foi dividida em várias frações de terras, e dessa divisão nasceu o condomínio. Com um elevado número de proprietários dentro de um condomínio veio as Ações de Demarcação e Divisão das Terras Particulares para individualizar seus pedaços. Forçoso é enfatizar que na propositura da ação de demarcação e divisão de terras deveria constar o título de propriedade com origem em sesmaria, o que infelizmente não observado nos processos judiciais que geralmente se prenderam tão-somente a demonstração da qualidade de posseiro.

É exatamente na Ação de Demarcação e Divisão de Terras Particulares que o juiz e o promotor deveriam ter averiguado a legalidade do título ofertado como documento de propriedade dentro da respectiva área em divisão, o qual deveria ser proveniente de uma sesmaria e somado as áreas de todos os condôminos não poderiam ultrapassar a área de uma sesmaria. Assim as sesmarias foram divididas em Datas, Glebas e Quinhões, porém a origem do título é a fonte que forma uma cadeia dominial sucessória.  

Conforme levantamento feito na Casa Anísio Brito por procuradores do INTERPI, o Estado do Piauí foi objeto de poucas concessões  de sesmarias o que atingiria no máximo 10% de seu território, entretanto observa-se que na região norte é predominante a existência de pequenas e médias propriedades, enquanto que nas comarcas da região sul do Piauí predomina as  grandes
propriedades, principalmente em Bom Jesus, Cristino Castro, Uruçuí, Ribeiro Gonçalves, Gilbués e Santa Filomena. Nestas comarcas milhares de hectares foram demarcados e registrados sem que exista nos autos de demarcação qualquer referência à sesmaria que originou o título de propriedade. Por meio de pesquisas  já localizamos escrituras com mais de 100.000,00,00 (cem mil) hectares.    

Salvo melhor juízo entendo que o Estado do Piauí precisa urgentemente elaborar o mapa do espaço fundiário de seu território, identificando às ``datas´´ e dentro delas as grandes ropriedades, e comitantemente levantar as cadeias dominiais desde a demarcação, o que lhe permitirá o pleno conhecimento da situação jurídica dos imóveis. O INCRA já cancelou uma quantidade significativa de CCIR, sendo que poucos proprietários tentaram restabelece-los administrativamente ou judicialmente.  

RAIMUNDO MARLON REIS DE FREITAS
Chefe da Procuradoria do INTERPI

Instituto de Terras do Piauí