Destruição moral da sociedade brasileira – ação deliberada
20/09/2015 - 08:28
José Osmar Alves*
O sitio Portalaz de terça 16 de setembro de 2015 repercute comentário que Arnaldo Jabor teria feito no Jornal Nacional da Rede Globo do dia 14/09 acerca da aprovação, pela Assembleia Legislativa do Piauí, de lei que impediria o Ministério Público de investigar qualquer político. No comentário, Jabor desanca os deputados piauienses, chamando-os de corruptos, ladrões e protetores de quadrilhas.
Em primeiro lugar, faz-se necessário esclarecer o seguinte: o que a Assembleia aprovou não foi a proibição do Ministério Público investigar políticos, mas a investigação exclusiva de determinadas autoridades (secretários de estado, deputados, promotores, juízes, dentre outros) pelo Procurador Geral de Justiça. Para essas pessoas, a investigação e o processo criminal é atribuição do Procurador Geral, o qual pode delegar a procuradores e promotores de justiça a realização dos atos de investigação, não podendo, no entanto, delegar o processo em si. O que a Assembleia do Piauí fez foi determinar que a investigação e o processo cível por ato de improbidade administrativa dessas mesmas autoridades passa a ser também atribuição exclusiva do Procurador Geral, com a agravante de que aqui não poderá delegar nem mesmo a investigação.
Passo ao largo da polêmica jurídica que a matéria aprovada pelos deputados piauienses suscita para me fixar no comentário de Arnaldo Jabor, que pode ser lido aqui. Diz o comentarista que a Assembleia do Piauí aprovou uma lei “que proíbe o Ministério Público do Estado de investigar qualquer político, deputado, chefe de cargos públicos etc., e assim ficam todos os ladrões protegidos”. Em seguida, compara a lei piauiense à famosa PEC 37, rejeitada pelo Congresso em 2013, por meio da qual, segundo ele, se pretendia “proibir o Ministério Público de descobrir criminosos. Esse projeto não passou, graças a Deus, mas o Piauí está na frente da organização do crime, em benefício das quadrilhas”. E continua: “Tanto lá no Piauí como em Brasília, os ladrões e canalhas em geral já reagem quanto à brilhante eficiência da Procuradoria Geral da União (sic) e da Polícia Federal na Operação Lava Jato”. E conclui o comentário com a afirmação de que a lei piauiense seria resultado da “revolta dos corruptos, que se protegem na calada dos dias”.
Acompanhei atentamente o noticiário dos últimos dois dias e não vi qualquer reação da Assembleia ou de algum deputado ao comentário do Jabor. Incomodado, conversei com ao menos dois parlamentares sobre o assunto. Nenhum deles, no entanto, demonstrou preocupação com o libelo acusatório contra eles veiculado para o mundo.
Embora não seja deputado nem tenha procuração da Assembleia, ouso sair em defesa da lei que aprovaram. Defendo-a não pelo seu conteúdo – de que discordo –, mas pela legitimidade de sua origem. Com efeito, as casas legislativas são o locus adequado (porque constitucionalmente assim designadas) no qual a sociedade decide seus códigos de conduta, materializados na forma de leis. A norma virulentamente atacada por Arnaldo Jabor é, em sua origem, legítima, constitucional e, portanto, merecedora de respeito, não significando que não possa ser contestada pelo meio adequado – a ação direta de inconstitucionalidade -, mas não pelo xingamento público de seus autores.
Ao chamar os deputados de corruptos, ladrões e quadrilheiros Jabor desrespeita também o povo do Piauí que, bem ou mal, é representado por esses parlamentares. Legitimados pela autoconcedida missão de “defensores da moralidade pública”, nos últimos anos muitos “jornalistas” brasileiros têm extrapolado todos os limites do direito constitucional de informar, a exemplo da apresentadora Raquel Sherazade, que defendeu em rede nacional o direito de pessoas lincharem ladrões em praça pública.
Juntem-se a tais “comentários” as novelas e os realyt show da TV brasileira e temos aí o caldo cultural perfeito para a verdadeira danação em que jaz a sociedade nacional, onde filho não respeita pai, que não respeita filho, que não respeita a autoridade, que não respeita o povo, que não respeita a si mesmo...
Ao não reagir às gratuitas acusações de Arnaldo Jabor, a Assembleia Legislativa dá, ela também, sua parcela de contribuição para consolidar a desgraça social de que minha geração lamentavelmente é testemunha.
* José Osmar Alves é promotor de justiça e desde junho de 2015 exerce o cargo de Secretário de Regularização Fundiária - Diretor Geral do Instituto de Terras do Piauí.